O que começou há exatos cinco meses como um escândalo de possíveis efeitos catastróficos para o setor brasileiro de carnes, hoje é visto como um “susto” que deixou lições importantes e alguns problemas a serem resolvidos, mas já passou. Esse, pelo menos, é o balanço parcial que analistas ouvidos pelo Núcleo de Agronegócio da Gazeta do Povo fazem do impacto da Operação Carne Fraca sobre os mercados internos e de exportação.

Números atualizados do Ministério da Agricultura mostram que apenas sete países, de pouca expressão política e comercial, ainda mantêm embargo total à carne fresca do Brasil: Benim, Moçambique, Congo, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Trinidad e Tobago e Argélia. “Esses países representam apenas 0,4% dos volumes exportados. O efeito inicial de bloqueio à carne brasileira praticamente desapareceu”, observa Paulo Rossi, coordenador do Laboratório de Pesquisas em Bovinocultura da Universidade Federal do Paraná. “A recuperação foi muito mais rápida do que a gente imaginava. Já projetamos um crescimento nas exportações de 1,5% em relação ao ano passado, o que era inimaginável em abril ou maio”, confirma Lygia Pimentel, analista de commodities da Agrifatto, de São Paulo. O risco ainda não afastado, diz Lygia, é o de surgimento de alguma nova revelação bombástica decorrente da delação de Joesley Batista.

Segundo o Ministério da Agricultura, dos países que inicialmente fecharam o mercado à carne brasileira, 21 levantaram o embargo totalmente. Outros 43 reabriram mas ainda não oficializaram a decisão, mantendo suspensão parcial e/ou reforço nas inspeções (neste grupo estão clientes importantes como Rússia, União Europeia e Japão).

Nas últimas semanas, a Expedição Avicultura da Gazeta do Povo acompanhou in loco como a “Carne Fraca” afetou os negócios de agroindústrias e cooperativas do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo. O consenso foi de que a operação teve um efeito muito negativo na imagem do produto brasileiro, mas não gerou prejuízos financeiros duradouros. Nas primeiras semanas, a Cooperativa Lar, de Medianeira, do Oeste do Paraná, por exemplo, ficou com 227 contêineres (que carregam mais de 6 mil toneladas de frango) em alto mar até que a situação fosse resolvida.

Reação rápida

Outras empresas também tiveram problemas parecidos, basicamente envolvendo questões de logística e estocagem. Nada que acarretasse perdas milionárias. O setor produtivo reconhece que o governo brasileiro agiu de forma eficiente e rápida. “Os próprios clientes nos procuraram para saber o que estava acontecendo. Nós, aliás, achamos que saímos fortalecidos deste processo”, diz Mário Lanznaster, presidente da Aurora Alimentos, 4ª maior empresa de carnes do país.

Apesar de muitos dirigentes de agroindústrias elogiarem a atuação do ministro Blairo Maggi ao lidar com a crise, restam algumas críticas, principalmente à atuação do Serviço de Inspeção Federal (SIF), que tornou os processos mais rígidos, interrompendo as linhas de produção com mais frequência. O número de inspeções também aumentou. Antes da Carne Fraca, uma planta recebia, em média, duas inspeções estrangeiras por mês. Agora são cinco, com as despesas custeadas pelas empresas.

Ainda que os bloqueios comerciais mais importantes tenham sido contornados, o episódio deixou um prejuízo intangível à imagem da carne brasileira, que pode levar anos para ser superado. Em determinada altura, no mês de março, o próprio juiz que autorizou a operação tentou atenuar o estrago, explicando que o foco não era a qualidade dos alimentos produzidos no Brasil, mas a apuração de crimes contra a administração pública, como corrupção e extorsão.

João Prestes, exportador da Progress Brazil, diz que a operação, “com todo aquele estardalhaço, na verdade ajudou nossos concorrentes”. “A repercussão é residual, contínua, e vai demorar ainda muito tempo para passar. Quando argumentarmos que nossa carne tem qualidade, vão dizer: e a Operação Carne Fraca? O Brasil não é totalmente confiável”, afirma Prestes, que participará como debatedor em mesa redonda do 5 º Fórum da Agricultura da América do Sul , promovido pelo Núcleo de Agronegócio da Gazeta do Povo, dias 24 e 25 de agosto no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba.

Sem negar a importância estratégica e econômica das exportações, Paulo Rossi diz que a recuperação do setor de carnes depende hoje muito mais do poder de compra do consumidor brasileiro. “O mercado interno responde por quase 80% do consumo. A economia precisa rodar, para o povo ter dinheiro e comprar mais carne. É nisso que estamos travados”, aponta o especialista.